Razões para uma União no Médio Oriente

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Khaled Diab

Ancara pode jogar outra cartada, se o seu desejo de adesão à Europa sair frustrado: aproximar-se dos seus vizinhos do Médio Oriente e trabalhar na formulação de um projecto de cooperação regional decalcado da UE.

Setembro 2009

Na semana passada, Tariq Ramadan defendeu no Guardian que a Turquia era, em muitos aspectos, uma parte da Europa e merecia ser membro da UE. Do meu ponto de vista, a Turquia faz e simultaneamente não faz parte da Europa, o que também está de acordo com a minha teoria da “mescla de civilizações” [em Inglês, “mash of civilisations”: jogo de palavras com o ““, teorizado por Samuel Huntington]. Mas ainda que a Turquia seja (pelo menos parcialmente) europeia, isso não significa que vá entrar na União Europeia. E há muitas razões para tal. Uma delas é bastante óbvia: religião e a inesgotável questão da “cultura”. Muitos dirigentes e cidadãos europeus, consideram – abertamente ou não – a UE como um clube “cristão”, uma versão secularizada da velha cristandade.

Esse facto explicaria que alguns países, com desempenhos questionáveis em matéria de direitos das minorias, como a Lituânia, ou com parâmetros económicos duvidosos e economias dirigidas por especuladores e oligarcas, como a Letónia, tenham conseguido tornar-se membros. E também ajuda a compreender o motivo pelo qual a Grécia – o berço da civilização ocidental – foi admitida na então CEE, sem condições prévias e sem um longo período de pré-adesão, a despeito das preocupações quanto ao seu “atraso económico” e ao conflito que a opunha à Turquia, e a razão de o seu posterior desempenho medíocre não ter feito ninguém franzir o sobrolho.

Turcos furiosos e desapontados com a UE

No entanto, seria errado exagerar a influência da identidade islâmica da Turquia. Tal como em muitos outros casos, a religião, a civilização ou a cultura são as capas que ocultam outros conflitos de interesses mais triviais. Em primeiro lugar, há que ter em conta a preocupação genuína – apesar dos grandes progressos económicos alcançados pela Turquia nos últimos anos – com o impacto que o elevado número de pobres rurais existentes no país teria sobre a União, para já não falar da questão curda.  Além disso, na UE a dimensão [de um país] é realmente importante. A estrutura demográfica da Turquia significa que esta seria um dos maiores Estados Membros, senão o maior, em termos de população, o que lhe daria automaticamente uma posição de peso à mesa europeia, desequilibrando o eixo Alemanha-França e ameaçando o estatuto de outros grandes países. Por esse motivo, a Bósnia-Herzegovina ou a Albânia poderão tornar-se membros do clube antes da Turquia. É também em parte por isso que, apesar do seu entusiasmo em aderir à UE e da sua identidade cristã, está a ser oferecido à Ucrânia o prémio de consolação de laços mais estreitos.

Assim, não é de espantar que os turcos se sintam aborrecidos e frustrados, ao fim de mais de meio século passado pacientemente à espera, à porta da UE. Contudo, em vez de esperar para sempre, a Turquia devia aproveitar a oportunidade e capitalizar os seus recentes esforços no sentido de reforçar os seus laços com o Médio Oriente. Desde a queda do Império Otomano, depois da Primeira Guerra Mundial, e da criação de uma república turca secular e moderna, por Mustafa Kemal Ataturk, a Turquia cortou efectivamente as suas ligações de séculos com o Médio Oriente.

Por seu turno, os árabes também voltaram as costas aos turcos, devido às penosas recordações deixadas por séculos de subserviência e pelo forte centralismo turco, que caracterizou os últimos anos do domínio otomano e, também, por causa do sonho de uma independência árabe plena. No entanto, há coisas que a região perdeu ao longo deste processo e que vale a pena reconstruir, sob uma forma moderna e mais justa: estabilidade relativa, o Estado de direito, liberdade de circulação transfronteiriça e um cadinho dinâmico de etnias e religiões. A UE é uma união voluntária de uma região que só foi unificada pelas conquistas de homens como Carlos Magno e Napoleão. Porque não poderá o Médio Oriente tornar-se uma união voluntária entre os territórios do antigo Império Otomano e outros vizinhos que desejem juntar-se-lhes, como o Irão, ou mesmo Israel, depois de ter chegado à paz com os palestinianos?

Reproduzir o exemplo da Europa no Médio Oriente

É indiscutível que os desafios envolvidos na realização desta visão são imensos. O Médio Oriente não é uma das regiões mais estáveis do mundo e também é incrivelmente diverso, em termos políticos, culturais e religiosos.
Em meu entender, o melhor factor de unificação seria um pragmatismo, alimentado pelo sentimento de destino comum e forjado por desafios comuns: insegurança e conflito, pobreza, o enorme peso da juventude entre a população, escassez de água, domínio estrangeiro, etc. Os primeiros passos pragmáticos da Europa no caminho para a integração foram dados quando um núcleo central de seis países criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Do mesmo modo, o Médio Oriente poderia dar os primeiros passos cautelosos agrupando-se em torno de recursos como por exemplo o petróleo e a água, que são vitais para o futuro da região.

Outro domínio essencial nesta zona volátil é a segurança. Um pacto de defesa mútua e de não-agressão entre os países da região é fundamental para a estabilidade futura – com ou sem uma união formal. A fim de garantir a segurança humana, deveriam ser desenvolvidos esforços no sentido de criar um tribunal de direitos do homem do Médio Oriente. Se encararmos a História como um guia, veremos que há o risco de o aparecimento de um bloco deste tipo ser encarado como uma ameaça a “interesses ocidentais vitais” e tanto o “soft power” [literalmente, “poder suave”, no sentido da persuasão, da diplomacia] como o “hard power” [“poder duro”, ou seja, sanções económicas e meios militares] ocidentais poderão erguer-se contra ele. Mas a presença da Turquia – militarmente poderosa por direito próprio, aliada leal do Ocidente e quase parceira da UE – poderia ajudar a reduzir esse risco.

Neste momento, um Médio Oriente pacífico e integrado segundo este modelo parece uma fantasia. Mas quem teria pensado que a Europa iria erguer-se pacificamente das ruínas de duas guerra mundiais e rasgar a Cortina de Ferro?

This column appeared in The Guardian Unlimited's Comment is Free section on 16 August 2009. Read the related discussion. This translated version appeared in Presseurop.eu

Author

  • Khaled Diab

    Khaled Diab is an award-winning journalist, blogger and writer who has been based in Tunis, Jerusalem, Brussels, Geneva and Cairo. Khaled also gives talks and is regularly interviewed by the print and audiovisual media. Khaled Diab is the author of two books: for the Politically Incorrect (2017) and Intimate Enemies: Living with Israelis and Palestinians in the Holy Land (2014). In 2014, the Anna Lindh Foundation awarded Khaled its Mediterranean Journalist Award in the press category. This website, The Chronikler, won the 2012 Best of the Blogs (BOBs) for the best English-language blog. Khaled was longlisted for the Orwell journalism prize in 2020. In addition, Khaled works as communications director for an environmental NGO based in Brussels. He has also worked as a communications consultant to intergovernmental organisations, such as the EU and the UN, as well as civil society. Khaled lives with his beautiful and brilliant wife, Katleen, who works in humanitarian aid. The foursome is completed by Iskander, their smart, creative and artistic son, and Sky, their mischievous and footballing cat. Egyptian by birth, Khaled's life has been divided between the Middle East and Europe. He grew up in Egypt and the UK, and has lived in Belgium, on and off, since 2001. He holds dual Egyptian-Belgian nationality.

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